terça-feira, 9 de outubro de 2007

3º lugar: O ano em que o Botafogo ganhou a Libertadores

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Por Lucas Calil

2008 começou com a habitual queima de fogos em Copacabana, com a Tropa de Elite em todos os cinemas e bocas, com o presidente Lula contratando ministros e com o Botafogo de Garrincha inscrito na gloriosa Taça Libertadores da América, após 12 anos de ausência. O não menos glorioso Bebeto de Freitas, presidente do clube, virou o ano na Espanha, envolvido nas negociações faraônicas prometidas ao fim de Dezembro. A torcida botafoguense acendeu velinhas acreditando, pra variar, que agora o time iria, mas ninguém nunca soube exatamente para onde.

Janeiro veio e terminou em samba, no espírito do carnaval, que sempre inaugura o ano útil de todo país tropicaliente. Além dos novos casos de AIDS e dos trezentos turistas japoneses que entraram nas estatísticas policiais, o fim das festas trouxe Rivaldo para o Botafogo, como parte do projeto inovador e moderno idealizado por seu presidente. Com Rivaldo, apresentaram-se o argentino Riquelme e o lateral-esquerdo Roberto Carlos, e General Severiano viu 12 mil torcedores lotarem arquibancadas, ruas e demais adjacências.

Março iniciou a competição. O 3 a 0 contra o Once Caldas lá e o 2 a 2 daqui colocaram o time no grupo de River Plate, Cerro Porteño e Cúcuta. Um gol de Rivaldo, uma assistência de Riquelme e ingressos esgotados até a segunda fase. As camisas 10 e 8 sumiram das lojas e, apesar do fracasso no Campeonato Carioca, a torcida apoiava cada vez mais, o time empolgava com o inusitado carrossel e a agressividade ofensiva. Agora vai?

Vitória sobre o Cúcuta em casa, empate com o River fora, derrota por 3 a 1 para o Cerro, em pleno Engenhão. E a torcida cobra, e os jornais especulam, e o técnico explica e os jogadores justificam. Lesão de Rivaldo, só volta na semifinal, isso se o Botafogo chegar lá. No Brasileiro, oitavo lugar, time reserva e descaso do público. O que importa é Tóquio, não essas peladas contra o Juventude, lá no frio de 5 graus do Alfredo Jaconi.

De repente, não mais que de repente, o torcedor do Botafogo se viu no meio do mês de Maio, com o time classificado às oitavas-de-final na segunda vaga do grupo. E ainda mais surpreso o mesmo torcedor se viu no Maracanã, vibrando com o segundo gol de Dodô, aos 38 do segundo tempo. Mas não foi o 2 a 1 de virada, disputado e difícil. Foi fácil, Independiente de volta para casa.

Quartas-de-final, 14º lugar no Brasileirão, oito desfalques e salários atrasados. Crise. Roberto Carlos vai à imprensa, representando o elenco. Bebeto retruca, e o time, inseguro, sobe os 4 mil metros da Bolívia. Empate em 1 a 1 com o Potosí, discussão no vestiário. Crise

.Junho, jogo de volta. Vitória por 6 a 0. Festa, semifinal. Dodô artilheiro, torcida feliz. Crise, que crise? 16º lugar no Brasileiro, estádios vazios e Roberto Carlos volta à imprensa. Confiança, tranqüilidade. Primeiro jogo, 2 a 1 no São Paulo, show de Rivaldo, com dois golaços. No dia seguinte, os 12 mil voltam a General Severiano. Time ovacionado, técnico exaltado. Agora vai!1º de julho. O clube Botafogo de Futebol e Regatas chega, pela primeira vez em sua história, à final da Taça Libertadores da América. Enfrentará o Boca Juniors. Primeira narração de Galvão Bueno na história do clube. 84 mil pessoas no Maracanã, gol de Dodô, 1 a 0. 14 minutos do segundo tempo, gol de Riquelme, 2 a 0. O jogador argentino pede para sair.

Segundo jogo. É campeão.

O resto do ano não interessa. Não se sabe qual a posição final do time no Campeonato Brasileiro, ou se as estrelas continuaram, ou se os salários estão em dia. Mas a torcida sumiu. O dono do bar, o chefe da repartição, o engenheiro e o frentista botafoguenses não compram mais o jornal na segunda, nem ouvem mais o rádio. Porque o Botafogo não sofreu, e a torcida não chorou, e foi fácil. Valeu a pena?

Não. Porque não existe o Botafogo sem a expectativa, não existe o Botafogo sem a chance da derrota e a emoção da vitória difícil. Não existe torcedor do Botafogo que nunca tenha sofrido, desistido e se acostumado a isso. Até se apega a essa dor, despreza a conquista simples. A Libertadores acaba não interessando, e o torcedor sente falta das noites de angústia, das dores no coração e da iminência do fracasso.

Isso é o Botafogo. Esse é o time criticado, execrado e perseguido, mas acima de tudo amado. Apesar do Botafogo.

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